por Gilberto Perre*
Com a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, o Congresso Nacional aprovou também uma redução, de 20% para 8%, na alÃquota incidente sobre a folha de pagamento dos munÃcipios de até 156,2 mil habitantes vinculados ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS). O Governo Federal vetou a proposta, depois o Congresso derrubou o veto, e, por meio de medida do Senado, a redução foi mantida. Em paralelo, uma mesa de negociação entre o Governo Federal e associações de representação de municÃpios foi instalada no âmbito do Conselho da Federação para tentar construir e pactuar alternativas.
A Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP), que reúne em especial as cidades mais populosas, defende que o benefÃcio deve contemplar todos os 3,1 mil municÃpios vinculados ao RGPS, independentemente de porte populacional. Trabalha ainda para que a medida seja permanente e possa beneficiar mais agressivamente municÃpios em situação fiscal mais debilitada, aferindo essa condição por meio da respectiva Receita Corrente LÃquida (RCL) por habitante/ano. Ou seja, o recurso público anualmente disponÃvel por cidadão em cada território.
Mesmo com as negociações técnicas ainda em curso, prefeitas e prefeitos foram surpreendidos com o projeto de lei 1.027/24, apresentado pelo lÃder do governo, o deputado José Guimarães (PT-CE). A surpresa é combinada com indignação por quatro motivos.
Primeiro, por prever um benefÃcio temporário, até 2026, a despeito da crescente municipalização de responsabilidades na execução de polÃticas públicas. Na última década, por exemplo, concomitante com a diminuição do efetivo das polÃcias militares, constata-se um crescimento constante do contingente de guardas municipais.
Segundo, porque a proposta insiste equivocadamente em eleger municÃpios merecedores ou não do benefÃcio utilizando um recorte populacional arbitrário. E, pior, reduz esse limite de 156,2 mil para 50 mil habitantes. Ou seja, além dos 29 municÃpios vinculados ao RGPS excluÃdos do benefÃcio no desenho original, outras 170 cidades, muitas delas também com orçamentos flagrantemente insuficientes, estariam injustamente alijadas do benefÃcio.
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Terceiro, porque arbitrou um patamar de receita por habitante como critério de elegibilidade (R$ 3.895/ano), em vez de utilizar o indicador para escalonar alÃquotas de tal forma a oferecer benefÃcios mais generosos para os territórios que enfrentam dificuldades crescentes para equilibrar receitas e despesas. E, em quarto, pela forma. As negociações ainda estavam em curso e há rito previsto para que o tema pudesse ser pactuado politicamente antes de o governo apresentar proposta legislativa sobre a matéria.
A FNP continuará trabalhando para que seja construÃda uma solução equilibrada, que trate diferentemente os diferentes na medida das suas desigualdades, independentemente de porte populacional. E aposta nos legÃtimos espaços de diálogo e de pactuação federativa, recentemente restaurados. Espaços que ainda precisam ser adequadamente estruturados, fortalecidos e fundamentalmente honrados.
Cabe destacar que se, em meados do século passado, cidades menos populosas eram territórios empobrecidos e as mais populosas eram economicamente mais pujantes, a dinâmica da urbanização brasileira das últimas décadas superou essa dicotomia. Há inúmeros trabalhos acadêmicos, e dados do IPEA e do IBGE, que evidenciam o fenômeno mais recente, e cada vez mais frequente, de cidades populosas pobres.
Para demonstrar essa mudança, a FNP ordenou os municÃpios brasileiros da maior para a menor RCL por habitante/ano. Se, em 2000, 46 milhões de brasileiros viviam nos 25% dos municÃpios com as piores receitas disponÃveis por habitante, em 2022 esse contingente saltou para 78 milhões. Na outra ponta, do quarto de municÃpios com as receitas por habitante menos restritivas, a população despencou de 47 milhões para 14 milhões de brasileiros. Ou seja, independentemente da população absoluta, ao se observar a receita relativa por habitante, cada vez mais brasileiros vivem em territórios subfinanciados, e menos cidadãos vivem em municÃpios com receitas relativas mais robustas. Uma tendência perversa de precarização ou insuficiência de serviços públicos para uma parcela cada vez maior da população.
à preciso enfrentar as desigualdades socioeconômicas que tanto envergonham o Brasil. à fundamental ter especial atenção para a configuração heterogênea dos aglomerados urbanos brasileiros, superando definitivamente o antiquado conceito de que cidades mais populosas são necessariamente ricas e, as menos populosas, necessariamente pobres. A FNP é contra o PL 1027/24, pois ele está equivocadamente fundamentado nesta falsa premissa.
* Gilberto Perre é secretário-executivo da FNP
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